Clichê romântico



 As sombras que você conhece como a palma de sua mão, a escuridão que você habita a tanto tempo que seus olhos já se acostumaram. Enxergar tudo através de um véu obscuro, distinguir apenas silhuetas. Sim enxergar, porque você nunca viu nada de fato. Acostumou-se com essa condição, se adaptou em prol de sua sobrevivência. Aceitou tudo, passivo, como sempre foi. Poderia rir de você, se não tivesse pena.

A esperança nunca existiu. Dizem que ela é a ultima a morrer, mas ela nunca nasceu naquele quarto. Você nunca considerou que algo iluminasse tudo, que algo te fizesse ver. Seria impossível, você não conhece a luz. Ao menos sabe que a escuridão tem um oposto. É irreal demais, sua falta de visão lhe impede de pensar nisso.

Então a vela se acende.

Quando aquela frágil chama se ergue, se movendo de um lado para o outro, carregada pelo vento, você conhece a luz. O fogo ilumina tudo em volta, você usa seus olhos pela primeira vez, de fato vê. Rasteja até ela, um corpo nu e doente, coloca suas mãos esquálidas em volta da vela, com a intenção de proteger aquele frágil milagre. Esses ossos esquálidos, cobertos por sua pele, que se estica ao máximo, treme diante da luz. Você chora, abrindo caminho entre a sujeira de seu rosto. Prostra-se ali, fascinado. Enquanto isso a escuridão que antes era suportável, que foi sua única realidade por tanto tempo, agora se torna solida. Você não consegue mais enxergar dentro dela, é impossível suportar tamanho vazio, as sombras são quase solidas, te esmagam, te sufocam. Agora que conhece a luz, sabe que a escuridão é uma ausência.

Mas nada dura para sempre. Não importa o quanto queira, não importa o quanto a proteja. A chama vai se apagar. E a escuridão vai se tornar a sua única realidade, como sempre deveria ter sido.


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