Simulador de Sonhos

Matéria, e alguma compreensão do que é realidade . Alguma explicação e entendimento do que nos é proposto, baseado no que já foi visto . Predição . A doutrina da verdade é muito confortável pra situações confortáveis . Lógica só compete ao que é lógico . Real só compete ao que é verdadeiro . Associar funções só compete ao que é humano . Ironia só compete a algum texto idiota escrito por um adolescente mais idiota ainda .
É observável, mas do que qualquer tentativa de interpretação do real, a fascinação que qualquer um exibe por sua própria criação . A criação, assim como a palavra, é arma ideológica . Arma é palavra bem usada, pela simples capacidade de infligir dano . De causar morte . Alguma morte, pelo o menos .
Os sonhos são criados e abandonados em seu estado de realidade acessível singularmente . Neles, sou o que eu quiser . Crio o que eu quiser . Meu desejo de ser deus ultrapassa a realidade . Eu crio a realidade a partir de agora, e a partir de agora, você se torna servo da minha invenção .
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Em algumas linhas retas se acham curvas naturais . Dedos de unhas perfeitamente cortadas, tanto das mãos quanto dos pés, revelam asseamento . O sanitário é perfeito, ideal . O corpo nú revela a pureza perfeita, ideal . As linhas são retas; congruentes, consecutivas, paralelas, cruzadas . Polígonos planos, prismas e poliedros macabros dançam ao redor do corpo em curvas . O corpo em curvas os conduz, mas não se mexe . Não há ordem no plano, mas o corpo em curvas é ordem . As retas formam ângulos agora . De todos os lugares; retos, oblíquos, agudos . Se fecham por cima, em cima e dentro também . Dentro, há alguma coisa curva .
A perversão começa a ser notificada, há uma falha na perfeição . De todos os lugares surgem curvas, e a curva se queixa de sua manifestação . “ Ambíguo meu sentido, ambíguo meu ser, sou eu reto, agudo ou oblíquo “, grita o ser, em estrondosa realização de sua natureza .
E então notou que estava nu . Nu e só . Não havia mais retas, ângulos, polígonos e nem poliedros . Prismas e esferas . Só havia a curva agora . Saliente, perturbante . Havia a força também . Incontrolável, irremediável . O ser estava nú em sua curva, em uma realidade de curvas .
Apelou então para sua consciência, “ O que sou agora ? Que não sou eu quem rege os demais, que não sou eu que sou diferente deles ? O que farei em boa hora ? “ E nada pode ser feito . E nada será feito .
E diante de toda a confusão de formas, e agora, de curvas, o ser via-se olhando para ele mesmo . Olhou-se os pés, viu suas unhas bem cortadas em dedos bem limpos . Viu suas mãos, com unhas bem cortadas em dedos bem limpos . Viu seu corpo em seu reflexo, em lama e desfigurado . Não saíra do lugar . Não saíra de si mesmo
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A criação é acelerada, sem necessidades de pausas entre as frases . Tudo se dá no tempo da mente do criador, tudo se dá no tempo daquele que escreve . Ao que lê, só cabe a opção da interpretação, inconclusiva, irreal, irrelevante . Pra você, agora servo na minha invenção, são apenas períodos curtos, sem sentido . Eu ainda estou criando o mundo, faltam mais 5 dias, e então virá o descanso .
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A força ainda estava ali e o puxava . Pra baixo ou pra cima, não importava, era sem luz ou espaço, razão nem crença o suportavam agora . A lógica um dia já foi reta, depois curva e agora simplesmente não é . Um dia já o foi curva, corpo e agora é pó . Sujo, leve e desprezível pó .
O sedimento do homem chega ao fundo e logo se destaca . Inventa o chão quando só a fundo e nele faz firmamento e alicerce, constrói e chama de lar . Inventa a porta pra que se abra e se feche, observa os sedimentos a cair, as linhas e curvas a se extinguirem, ao seres asseados a federem . Tem vergonha e faz roupas pra se vestir . Roupas da pele de outros seres em curva . Roupas da pele dos que não tem pele, só curva . Elas são agudas e a força o faz afundar . A força o puxa pra dentro, e dentro dele mesmo ainda não encontra nada . Força seus olhos a se abrirem, não acorda . Força seus olhos a enxergarem o que quer .
Vê então mulher, filhos, emprego . Vê comunidade . Vê sociedade . Vê televisão e vê computador . Não continua a ver nada . Fecha os olhos então, eles não enxergam mais .
Vem as moléstias e a fome, vem o predador e o parasita, a cobrança e a demanda .
Os olhos de nada o servem . Foram seus olhos os autores da invenção .
O ser come seus olhos . Come sua vida .
O ser come seus sonhos .
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E o processo, tendo iniciado, já abre o leque de opções do veredicto . Já tendo feito suas vontades, o inventor deturpa a si mesmo . Seus desejos são suas perversões, e sem suas perversões, seus desejos o matam . A pressa é a cobrança da perfeição do ser . A velocidade e a violência são seus maiores atributos . A destruição é a dádiva da construção, e a mais rápida forma de se começar algo . O veredito se vê daqui a 4 dias, a forma se verá hoje, mas nunca mais .
A palavra deixou de ser essência quando o escritor deixou de possuí-la . O único servo que tenho é você, a palavra não existe . Pra que eu atribua deus a mim mesmo, e me faça deus, há a necessidade de abrir mão das razões . Éramos um em três, afinal, porque não posso ser nada em nada ? Não há mais nada a ser feito, e nem criado . Há o que de fato sempre foi . Há o que precisa ser encontrado sem saber .
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A reta deixou então de existir . A curva, curvou-se pra si mesma . São espirais agora . Por todos os cantos, por todos os planos, pelas mesas e pelos quadros, pelas camas e pelas calças . O torpor invade a cidade, e a nostalgia as esperanças . As edificações e casas construídos sobre o fundo, agora, mostram-se fundações de pó e areia . Nada nunca tinha sido tão maleável e nunca pareceu tão sólido . O mundo em si era uma ameba, e a ameba, o mundo . Fez-se um laço com um fio fino de cabelo, e a separou . E a separou novamente, e mais uma vez, mais uma vez até que se torna-se indivisível . O ser a tudo assistiu, o ser a tudo prestou assistência e observou . O ser nunca enxergou .
Alguns muitos outros seres clamavam por explicações, e outros as davam . De toda a sorte de explicações, devo dizer . Diziam ser causa do que um dia já foi acima . Diziam ser causa do que era abaixo, o fundo jamais representou o final .
O ser perfurou os ouvidos .
As edificações passaram a engolir os sedimentos . Os sedimentos engoliram-se a si mesmos, e tudo o que se restou foram as espirais, os torpores e a fadiga . Só se sentia agora, só se prestava culto, não havia crença e nem razão, havia perdição . E tudo corria, veloz e impetuosamente assim . O ser percebia, e sendo asseado, nada fez . Ainda continuava olhando pra seu reflexo .
As espirais começaram a circular, as plantas insurgiram, o fundo se desprendeu . Raízes e umidade sobrepujaram a força, as edificações ruíram, a vida tornou a ter sentido, no sentido de tomar outras vidas .
O ser cortara seus pulsos .
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É chegada a hora da justa liberdade . Apresento a esse julgamento santo e eclesiástico, as provas da aceitação da minha idiotice pela parte de minha pessoa . Há deus onde não há criação ? Se se recria a criatura, se recria deus ?
Os arquétipos agora estão distorcidos . A realidade deixou de apresentar algo real . Essa era a condição . Mais três dias, e eu vou poder descansar . Mais três dias, e eu vou poder ser quem eu sou . Mais três dias e você verá a sua própria glória e majestade, servo dos símbolos .
Agora, profira com a sua boca : Eu não sou especial . Eu não sou ninguém .
Liberte-se
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