Eterno Tumor

 Sentia uma crescente inquietação. Uma criatura nascida dentro de si. Podia senti-la ali durante todo o tempo. Podia sentir o peso dela, um corpo adormecido, aprisionado por carne e ossos. Era a raiz da irritação, das unhas ruídas e das cutículas sangrando.

As vezes, tal criatura se erguia. Perambulava entre o estomago e a traqueia, esmagando os órgãos no caminho. O ar parecia leitoso, lutando para entrar e sair. Uma angustia física.  Podia sentir a criatura gritar, o som retumbando nos seus ossos, fazendo com que vibrassem, como um sino. A sensação de estar tremendo internamente.

Nesses momentos, tentava ignora-lo. Ler um livro, beber um café, ver um filme. Mas era um esforço patético. A vibração crescia a cada segundo, a criatura se movia fluida, colidindo freneticamente de uma costela a outra, avançando contra a carne e imprimindo seus contornos na pele. Como um corpo contra uma tela de látex.

No auge desse cárcere não existia outra opção se não entregar-se integralmente aquela criatura. A existência era um fardo, motivo de agonia. A vida era uma punição.
Os pensamentos colidiam, se fundiam, implodiam e se desintegravam. As referencias em relação ao mundo eram preenchidas pela total loucura, pela perda.

Sentir a pele revestindo a carne era agonizante. Sentir aqueles contornos contra essa pele, insuportável. Mas não quebraria o cárcere. Não podia rasgar a pele ou feri-la. Abriria uma fresta para o mundo real, uma fresta grande o suficiente para a criatura forçar sua passagem e se libertar, afirmando sua existência na realidade. 

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