Viajante Onírico

Grossas mechas cobriam toda superfície da cama, dispostas na horizontal, se estendiam em direção ao chão. O negro reluzia nos fios gordurosos, que escorriam até a borda da cama, escondida por toda aquela extensão. Ali, as pontas se curvavam sobre si mesmas, formando espirais que rodavam lentamente, enquanto pingavam.

Descalço, sentia a textura dos globos úmidos entre meus dedos, a superfície fofa afundava sutilmente conforme caminhava, ouvia o barulho de sucção enquanto meus pés desciam e subiam. Todos os olhos se estendiam em uma malha, a coloração acastanhada das íris lembravam a de um animal em decomposição. As pálpebras dilatadas eram leitosas e o circulo que as delimitava borrado. Pareciam insetos vistos daquela maneira, os cílios longos dispostos lado a lado como uma cadeia de pernas. A extensão de globos oculares apontava o infinito acima deles, cegos. Formavam uma passarela que sustentava meu corpo, a cama e seu habitante.
Meus movimentos eram fluidos e gasosos, cada parte de mim evaporando conforme me movia em direção a cama.

Acima das mechas havia um conjunto de mãos. Os dedos esguios de uma mão se encaixavam na próxima, sem que as articulações se dobrassem, as unhas opostas umas as outras, em uma fileira de dedos apontados para cima. Dessa forma, a construção se estendia em um manto de carne estática. A carne naquela posição parecia pontiaguda, invocando um ar hostil. Abaixo da união existia o contorno de um corpo.
Mesmo que meus contornos não estivessem claramente delimitados, podia sentir o individuo abaixo do manto. Um sentimento tátil e nostálgico, como se eu já tivesse habitado aquele corpo.

Deitado entre mãos e cachos, apenas seu crânio era visível. Tinha traços finos e sólidos, esculpidos em bronze, seus cabelos se misturavam com a cobertura da cama, indistinguíveis no emaranhado. Daquela distancia conseguia sentir o cheiro do óleo nos fios.

Seus olhos estavam fechados, me fitando.

Círculos perfeitos haviam sido escavados no centro de suas pálpebras, de modo que mesmo fechadas, eu podia ver suas pupilas, através da carne perfurada.
O peso do seu olhar me envolvia em uma pressão sólida e febril.
Senti os globos abaixo de mim se mexerem, rodando no próprio eixo. O som dos movimentos coletivos eram como o de um cardume mudando subitamente de direção. As íris se tornaram detalhadas e as pupilas contraíram até o tamanho da ponta de uma agulha. Senti os milhares de olhos idênticos atrás de mim.
Á minha frente, ele sorriu. Seus lábios refletiam uma melancólica compreensão fraternal.
Ainda posso te ver 

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