Ele

Em frente ao posto, avistei um carro que antes não havia. De dentro dele saiu um garoto que não aparentava nada mais que 16 anos. Vestia um manto negro... Não, era mais que isso. Era a ausência de luz, eram trevas. Sua pele pálida lhe dava um tom majestoso, como a face da lua. Seus olhos esmeraldas pareciam atrair minha alma. Seus cabelos longos e encaracolados, negros como uma noite sem estrela. Seus pés não tocavam o chão.

Conforme flutuava pela grama, o verde dava lugar à morte. Pessoas caíam, suas peles ganhavam um tom acinzentado conforme ele passava. A vida abandonava seus hospedeiros, todas as pessoas com quem ele mantinha algum contato. Mesmo assim, não me sentia ameaçada. Quanto mais ele se aproximava mais conforto eu sentia. Era como estar em um ventre materno. Sua aura exalava aconchego.
Ele se aproximava cada vez mais de mim. Ao chegar à minha frente pude analisá-lo perfeitamente. Seus lábios vermelhos se destacavam na pele, exibindo um sorriso calmo. Só então percebi uma pequena falha em seu lábio superior, um corte na vertical, começava na extremidade indo até o fim do mesmo. Ele me fitou. Não sei quanto tempo aquilo durou, mas poderia passar a eternidade ali. Observando seus olhos. Nunca tinha visto nada tão bonito.

Ele se inclinou, e seus lábios tocaram os meus. Seu hálito me dava a melhor sensação do mundo. Senti a cicatriz em seu lábio, o que só melhorou a experiência. Todo meu corpo formigou. Nunca imaginei uma felicidade tão plena. Então, ele colocou a mão em minhas costas, empurrando-me suavemente em direção ao seu peito. Seu corpo saiu do chão, enquanto ele me carregava em direção às nuvens. Meu rosto estava contra a pele quente de seu tórax, que podia sentir mesmo através da túnica.

Minha visão mudou. Vi-nos de cima, conseguia ver meus cabelos longos, e seus cabelos encaracolados, e como estava aconchegada em seus braços. Parecia até cômico, observar "eu mesma" na cena de onde ele me tirava. Um caminhão havia invadido o posto e uma grande explosão ocorrera. Podia ver através do fogo e da fumaça... Minha pele enrugando, ganhando um tom cada vez mais escuro, minha carne sendo queimada, meu rosto virando uma massa disforme.
Até que sobraram apenas cinzas.

Aquela cena poderia ter me aterrorizado, mas não o fez. Foi absolutamente reconfortante. Era uma sensação de alívio. Nunca me senti tão bem. Então minha visão voltou a ficar escura. Afastei meu rosto de seu peito, lhe olhando de baixo. Ele abaixou a cabeça, sorrindo. Sua voz soava como uma canção de ninar:

           
- Vamos, todos estão ansiosos para te ver. 


Texto gêmeo, Ele. 


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